sexta-feira, 12 de junho de 2009

O ESTADO E O ABORTO

Ogeni Luiz Dal Cin*

Vem se firmando um princípio de que quem se elegeu pagou, ipso facto, todas as suas dívidas passadas, inclusive as cometidas no exercício do Poder Legislativo. Assim, os fins justificam os meios: amealhar amigos e dinheiro para garantir a reeleição é sinônimo de prova de absolvição de qualquer acusação legislativa. Essa é imoralidade para nós pobres mortais, mas ação democrática para os nossos legisladores, e isto prova muito bem como é exercido o Poder do Estado pelos nossos representantes. Ao Estado tudo é possível.

Ora, o Poder Legislativo, com esse Poder de Estado nas mãos e essa consciência dos valores no coração, deixa o direito à vida do nascituro em perigo, transformando a vida antes do nascimento em uma questão meramente casuística, oportunista, a serviço de outros fins. O Poder Executivo mantém Comissão para fornecer material e argumentos ao Legislativo e põe ministros de Estado a profetizar a necessidade do aborto, como ação de Estado, ou seja, o Estado assume o papel de instituir o aborto. E, mesmo contrariando a Constituição, o Estado, pelo seu Legislador decide o que nos convém, já que está acima do cidadão, do direito, da moral, dos valores, da ética. O Estado diviniza-se e a vida se desumaniza.

O Estado caminha para ser a instância última e o titular de todos os direitos, mesmos os concebidos como direitos ontológicos do ser humano. Os direitos transformam-se, paulatinamente, em benesses do Estado , que é elevado a um estágio superior ao atribuído a cada ser humano. Os que chegam ao Poder limpam suas ‘culpas’ e encarnam virtudes do Estado para decidir, inclusive a respeito dos nossos direitos, e agem em nome e em proveito próprio como se estivessem a serviço da sociedade.

Tal Estado é herdeiro das filosofias ou da esquerda hegeliana – como o marxismo - ou da direita hegeliana - como o nazifascismo – os quais que se unem, momentaneamente, para reduzir o direito sagrado da vida humana, quando lhes convém. A vida, então, vale menos que os interesses pessoais do eleito. Os legisladores que não tomam partido diante dessa realidade, já tomaram o partido do seu próprio interesse. O direito à vida não é uma mera questão subjetiva, individual, porque esses são argumentos para enganar seus interesses escusos. Quanto mais inculta e analfabeta a população, quanto mais dependente do assistencialismo estatal, menos capacidade tem a população para se opor aos abusos do Estado.

Ora, como preservar a liberdade - esse o paradoxo do liberalismo - em detrimento da vida, se a liberdade supõe a vida e se a destruição da vida em nome da liberdade destrói a potencialidade da liberdade na vida violada? Destruir o outro antes que possa exercer sua liberdade para não precisar reconhecer-lhe a liberdade? - Daí o qualificativo de individualista a esse liberalismo iluminista, sem nenhuma abertura para o social, para o outro. E se a liberdade é apenas um epifenômeno transitório – para o marxismo e para o nazifascismo – de parte da matéria organizada em um ser chamado humano, a liberdade não passa de simples grau de concessão do Estado para o homem que se integra e pertence ao Estado.

Esse tipo de Estado pode então permitir que a mãe, o pai ou o médico mate seu filho no interregno arbitrário entre a concepção e a data preferida pelo divino Estado, Senhor desta fase da vida humana. É suficiente a permissão estatal, não importando mais a realidade ontológica e anterior da vida humana em relação à criatura-Estado.

De nada adiantou nosso constituinte definir, em cláusula pétrea, o direito à vida, sem nenhuma restrição, e defini-lo como direito superior e independente do Estado, se agora, por uma lei ordinária, na junção de interesses ideológicos e personalíssimos, já se considera casuisticamente mais que suficiente o intuito de legalizar o direito de matar a vida humana, antes do nascimento. Vida, sim, porque ninguém consegue provar a não existência da vida desde a concepção. Humana, sim, porque ninguém consegue definir que outra vida seja esta vida além de ser uma vida humana. O homo bios não pode prevalecer sobre o homo sapiens. E esta vida não tem o direito fundamental de existir? – O Estado que o diga.


* Ogeni Luiz Dal Cin é advogado e filósofo, membro da Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB-SP.