terça-feira, 11 de março de 2008

As crianças atrapalham nosso estilo de vida

A discussão sobre o aborto está de volta. A indomável Sra. Escolha é atacada e ameaçada pela Sra. Direito-à-vida. Cada lado segue o modelo grego: é Hipócrates (não fazer mal) contra Taigetos (nome da montanha da qual os espartanos jogam abaixo as crianças indesejadas). A diferença entre a sociedade espartana e a nossa é que para os espartanos a palavra “indesejada” significava de “qualidade inferior”, ao passo que para nós significa “incoveniente”. Não queremos crianças normais ou até super-normais se elas forem atrapalhar nosso estilo de vida.

Ter estilo é importante para nós. Estamos prontos a marchar em direção à extinção em estilo. Somos a única espécie que decresce com o sucesso: a primeira na história natural `a sofrer declínio populacional toda vez que triunfamos. Quanto mais próspera e segura nossa sociedade pós-Darwin se torna, mais fracassados somos em reproduzir.

Vivendo numa época que é tão egoísta quanto matriarcal, de todos os estilos que protegemos contra limitações, o que colocamos em primeiro lugar é o das mulheres. Inventamos eufemismos, tais como “escolha” para matar, e dilemas imaturos, como fingir que não se sabe quando a vida começa, para garantir que nada atrapalhe a Virginia (O’Hanlon) de acreditar em Papai Noel. Nada deve interferir em seu objetivo de auto-realização – muito menos um problema (como se fosse) de seu apetite sexual saudável. Existem bebês suficientes de onde veio este, Ginny. E caso contrário, podemos sempre importar alguns da Somália.

Como já escrevi antes, não sou necessariamente contra o aborto, mas por outro lado não sou necessariamente contra matar. Livrar-se dos filhos pode ser um ato saudável sob uma variedade de circunstâncias, como qualquer um que já teve alguma experiência com crianças pode atestar.

Poderiam até me convencer que devemos deixar a mãe ser o juiz de quando matar um filho. Assim pensava o rei Salomão. Na verdade, a sua reputação de ser um rei sábio se apóia nisso. É verdade, Salomão também pensava que nenhuma mãe mataria seu filho inescrupulosamente. Ele tinha a idéia fixa de que uma mãe autêntica preferiria renunciar ao seu filho do que matá-lo. O bom rei pode ter sido otimista um pouco demais.

Deixar a questão ao total critério dos pais tem precedentes históricos: veja o caso de Taigetos. Apesar do ato de jogar bebês penhasco abaixo oferecer um tipo de prática esportiva, é provável que os futuros pais teriam preferido a sucção à vácuo pré-natal, caso a tecnologia estivesse disponível em Esparta na época.

As autoridades de Esparta não viam nenhuma razão para questionar a definição de “qualidade inferior” dos próprios pais. Para os espartanos, isso provavelmente significava deformado fisicamente, mas pode não ter sido um passo colossal estender o significado à um feto que é simplesmente incoveniente. Afinal, uma criança deformada é uma grande inconveniência, e assim, uma criança inconveniente pode muito bem ter sido considerada
deformada.

O modelo espartano tem recebido críticas variadas. Algumas pessoas usam a palavra “brutal” para descrevê-lo. Eu não estou tentando promovê-lo, mas por outro lado, não promovo nada a não ser uma abstinência de raciocínio vago. Particularmente, não me incomoda o aborto procurado; o que me incomoda são os argumentos usados para apoiá-lo.

A minha briga é com aqueles que seriam contrários ao aborto se achassem que era o mesmo que matar. Eu não tenho nenhum problema com o aborto, mas eles têem. Eles têem um problema enorme. Primeiro, como observei quase 20 anos atrás, eles precisam fingir que não sabem quando a vida começa. Precisam fingir que não entendem que a vida é um processo autônomo, um ‘continuum’ desde o zigoto até a idade avançada, uma força auto-expansível que começa quando começa e continua a crescer a menos que seja aspirada antes. Eles precisam fingir que não entendem algo que até um gato entende: a diferença entre coisas vivas e coisas mortas, animadas e inanimadas. Eles precisam fingir não enxergar que se um feto não estivesse vivo, não precisaria ser morto.

Eles precisam apegar-se à ilusão de que um tribunal pode na verdade escolher que a vida “comece” num ponto arbitrário: no primeiro tremestre, segundo tremestre, não importa. Eu acho que ficções jurídicas devem adotar a noção de que a vida começa aos 40 para o bem-estar daqueles que amam a própria conveniência mas que não teem estômago para matar.

Algumas pessoas colocam o problema em termos do direito da mulher de ter controle sobre o próprio corpo. Isso seria suficientemente válido na esfera do fumo, dietas, lipo-aspiração, ou sexo – mas aborto? Aborto significa controlar o corpo de outra pessoa. (Sendo homem, não possuo nenhuma autoridade para falar sobre a questão, eu sei, mas não falo como homem. Falo como um ex-feto.)

Por fim, existem aqueles que se baseiam na dependência que o feto tem da mãe para negá-lo a condição de vida, ignorando o fato de que se o critério fosse auto-suficiência, somente um girino se enquadraria. Falta de auto-suficiência é comum a muitas formas de vida, inclusive passageiros num avião a jato. Logo veremos um piloto abandonar o posto no meio do vôo: “Que pena, caros gansos, mas voces realmente não podem voar sózinhos, podem? Então não possuem direito à vida. Dependem de mim, e eu tenho o direito de controlar o meu próprio corpo.”

Ouçam! Ouçam! Ouçam! A sra Escolha apela para a decisão do rei Salomão. Ao invés de deixar outra mulher levar o bebê, ela defende que a criança seja cortada pela metade. A bola está em jogo no nosso campo.

George Jonas
National Post - May 19, 2007 - http://www.georgejonas.ca/recent_writing.cfm?id=536
Tradução livre - Sandra Saltzman